Evolução e Declínio dos Povos

 


Cabana de Lysis, noite de 30-11-1931


As responsabilidades da hora presente sobre nós, quer sejamos espíritos desencarnados quer encarnados, crescem continuamente, crescem porque, quanto mais se torna obscura a situação atual do mundo, quanto mais anuviados venham os horizontes para o "amanhã da Humanidade, tanto maior é a necessidade de trabalho consciente e elucidativo, sincero de cada um de nós. Digo nossa responsabilidade, porque labuto convosco, porque estou em contado convosco, e porque por isso sinto a civilização que levou, sob o ponto de vista materialista, o mundo à situação atual.






Sabemos bem, entretanto, que todas as coisas têm seu período de ascensão, de estabilidade momentânea e de declínio. Todas as coisas nascem e morrem, no dizer vulgar. Aparecem e desaparecem. Encarnam e desencarnam. Corporizam-se e se desfazem. É a lei.


Portanto, a própria civilização chega a um ponto ele estabilidade e começa a declinar.

É verdade que se pode sustar o declínio de uma civilização pelo surgimento de um gênio, pelo aparecimento de um predestinado, mas difícil é fazer que uma civilização declinante retorne a um período ascensional. Pode estacionar, mas quando cai, cai com mais fragor. Exemplos? Temo-los dois em separados um do outro.


Um, na Grécia. Naquele país, depois de entrar no seu período de decadência absoluta pelas guerras internas, pela destruição, pela luta de cidade contra cidade, pela estagnação do progresso cultural, depois do período dos oráculos que orientavam a Grécia, depois do período da guerra do Peloponeso, apareceu um homem. Esse homem sustou a queda, manteve durante determinado espaço de tempo a Grécia em nível de cultura digno de sua civilização, mas quando desapareceu esse homem, rojou-se a Grécia para o abismo de sua própria civilização.


Pitágoras - “Educai as crianças para que não seja necessário punir os adultos.”


E o exemplo distante - são dois extremos - é o da época presente. Todos sabemos, sem querer aludir a paixões nacionalistas de espécie alguma, que ha uma nação européia, uma nação latina, que de determinando tempo para cá entrou num período de declínio, de decadência, e onde, também em determinado momento, quando maior parecia a sua anarquia interna, surgiu um homem que, não fazendo naturalmente como Pitágoras, porque este fez pela elucidação filosófica e científica, mas pela implantação de um regime de força, também sustou a queda, também estacionou a evolução para o declínio.


Benito Mussolini: Líder fascista italiano surgido em 1920, após a Primeira Guerra (1918). (1)


Mas, como sucedeu aos gregos, talvez suceda a esse povo. Passada a esfera de atividade desse homem, é possível que continue a decadência e que a nação role para o declínio. Aliás, é filha da civilização do Ocidente, e a civilização tende a declinar. Está no seu momento.


Há os países novos o os continentes. Podemos dizer mesmo que já vêm trabalhados pelos germens das civilizações velhas. São países novos com civilizações velhas chamadas a um grau de evolução muito brusco, que não tiveram um período de infância bem calculado e que não amadureceram até o ponto que atingiram. (2)



Colocaram-se, sem duvida, em nível bastante elevado, quase por uma serie de acidentes. E se quisermos examinar esses acidentes iremos ver que um deles foi à guerra ultima, que agitou o mundo, a grande conflagração de ha poucos anos.


Todos sabem que até o período imediato de antes da guerra, as nações da America do Sul podiam ser consideradas como nações em franco progresso, mas não com formação definitiva, como já hoje se podem considerar. Surgiu, porém, a guerra. Com ela, a paralisação da produção que sustentava, até certo ponto, a civilização dessa America, e, estacionadas essas fontes produtoras, tiveram as nações que produzir por si próprias, e de mercados consumidores que eram, passaram a mercados exportadores.


Passaram a vender na maioria aquilo que dantes compravam. Então desfrutaram uma posição desde logo elevada e amadureceram na sua civilização. Faço exceção dentro da civilização do ocidente.



Da mesma forma que o continente sul-americano, está o continente colonial da Austrália, que vai a período ascensional. Mas isso é muito pouco dentro da civilização do ocidente. O mais só envereda por um caminho puramente duvidoso, por uma estrada de competições pessoais. O mais está hoje incerto e tende a cair.


Há conquistas revolucionárias - devemos ser francos - que ganham terreno dia a dia. Ha movimentos coletivos que bem ou mal se alastram de maneira assustadora dentro da Humanidade ocidental. Combater esse surto ou opor embaraços a expansão dessa ordem de idéias, é impossível, porque é impossível aos rios que se despejam das alturas maiores, fazer-se um obstáculo artificial. Era preciso uma barragem natural, mas essa não existe. Então, o Ocidente, se compreendesse a sua situação, deveria tratar de suavizar as conseqüências. Porque havemos de procurar a luta? Se o momento atual é obscuro, se os horizontes estão anuviados, as nossas responsabilidades individuais crescem.


Até hoje nos acostumamos a ver o problema universal tratado por grupos. As nações comparecem perante os tribunais internacionais para decidir das suas questões, incorporadas. São nações só pelas suas representações diplomáticas. Devemos nos acostumar de hoje por diante a ver a Humanidade representada pelos indivíduos.


Ao invés da fraternidade internacional, fraternidade que fatalmente esbarra nas fronteiras, compreendamos na hora presente - a fraternidade individual de homem para homem, sem credo, sem casta, sem raça e sem classe, a fraternidade puramente doutrinaria, puramente convincente, não a fraternidade retórica.


Não se pôde falar, meus irmãos, em paz, em amor, em fraternidade, em concórdia, quando se tem por único objetivo o armamento, quando a única preocupação que trazemos é a de construir meios de destruição, de ofensiva, tanto mais poderosos quanto possíveis. Isto não é credencial.


Caricatura do fim do sec.XIX mostra Inglaterra, Alemanha, Rússia, França e Japão repartindo a China.


É claro que quem vai pregar a paz armado, desde logo desacredita suas próprias palavras e não ha entre os homens, digo melhor, entre as nações, uma só que pregue a paz desarmada.


Todas elas falam, todas elas têm orientações, todas elas - quase acreditamos - estão bem intencionadas, mas fazem da tribuna trincheiras, e de porta-voz a boca dos canhões. Isto não é paz. Isto é apenas um período de preparação, isto é apenas trégua momentânea, resultante do desequilíbrio. Não é paz. É o estado latente de luta. Não é o que queremos. As nossas responsabilidades individuais crescem, porque temos obrigação, como individuo, de opor uma resistência a esse pensamento universal.


Charge de 1931: de um lado, a Liga das Nações, do outro, o Tio Sam. Ao fundo, um conflito entre China e Japão.


Há uma teoria, aliás, muito aceitável, que diz serem as guerras um fenômeno social como outro qualquer. Por que não se acreditar que as guerras independem da vontade dos homens, que vêm como as pestes, como vêm os cataclismos pela necessidade de eliminação de corpos vivos da face da Terra? Pode ser fenômeno natural, independente da vontade dos homens, mas, nesse caso, se há possibilidade de em nossa casa irromper um incêndio, naturalmente não vamos apagá-lo com palha, e se há possibilidade de irromper entre os homens pela discórdia coletiva, não vamos combatê-la com as armas porque as armas são alimento de nutrição da guerra.



É preciso opor argumentos contrários, porque só se consegue a anulação de uma quantidade por outra de sinal contrário. Por que havemos de á guerra adicionar o ódio, a destruição, o mal? Nunca debelaremos esse mal, que crescerá progressivamente. Oponhamos à força da guerra uma força igual contrária para neutralizá-la, sem o que nada de positivo se conseguirá. A mentalidade se define de tal maneira, que ha necessidade de se fazer guerra a guerra. Este o estado atual.


Todas elas falam, todas elas têm orientações, todas elas - quase acreditamos - estão bem intencionadas, mas fazem da tribuna trincheiras, e de porta-voz a boca dos canhões. Isto não é paz. Isto é apenas um período de preparação, isto é apenas trégua momentânea, resultante do desequilíbrio. Não é paz. É o estado latente de luta. Não é o que queremos. As nossas responsabilidades individuais crescem, porque temos obrigação, como individuo, de opor uma resistência a esse pensamento universal.



Vamos pregar mentalidade construtora, convictos de nossas responsabilidades. Pregar pela educação, pregar pelo convívio, pregar pela doutrina, sem paixões de espécie alguma, só pelo ideal. O ideal é grande força, é a única coisa imortal entre os homens. Vão-se as personalidades, mas o ideal alastra-se e fica, e passa de geração a geração com uma seqüência fantástica. E enquanto não surge um predestinado com a capacidade talhada para realizá-los, o ideal não desaparece da retentiva das massas. Muitas vezes, por fenômenos também bastante freqüentes, são os ideais atingidos na aparência pela mistificação dos homens, ou pela instabilidade dos sucessores. Isto é grande mal.


Assembléia francesa, retratada em aquarela, aprovou a Declaração dos Direitos do Homem em 1789.


A Revolução Francesa levou os homens ao entusiasmo formidável por tudo que se pudesse conseguir no terreno humano na época: liberdade, igualdade, fraternidade. Não houve mistificação dos homens. Eram conscientes. Eram sinceros os que se atiraram à fogueira tremenda da Revolução para conquistar para os dias futuros os três grandes luzeiros que haviam de orientar a Humanidade do dia seguinte. Houve, porém, a pouca competência, o pouco mérito dos sucessores. Faliram e hoje nas repúblicas, forma a corrente imediata do movimento revolucionário francês, existe liberdade, igualdade e fraternidade, mas apenas nos textos constitucionais. Mais nada.



Na pratica, onde têm os homens essas três coisas? Onde residem a igualdade e a fraternidade? Ainda se procura determinar, nas representações tão somente uma liberdade para representantes das nações, com exclusão dos sexos.


Da fraternidade nada se fala. Da fraternidade, nenhuma palavra! Que fazem as repúblicas de doutrinário, de lógico, de político pela fraternidade?


Nada, absolutamente nada!


Revolução Francesa: Luta armada pelos ideais "Liberdade, Igualdade e Fraternidade".


Os homens desprezam-se, separam-se, vivem dentro do seu egoísmo consumidor, entorpecente, maléfico e dessa divergência, dessa exclusão de unidades nunca surge um todo completamente identificado entre si.


É por esta razão que, falindo nas três bases primordiais, pela incompetência dos sucessores da Revolução Francesa, já carecem hoje, as repúblicas, de um sistema que as revigore, que as renove dentro de um terreno político, dentro do terreno social. Este o máximo problema da vossa época.


Não vos direi, no entanto, que atingido seja ele por um golpe revolucionário. Somos contra as guerras, contra a violência, contra a luta armada.


Queremos a paz como doutrina.

Napoleão: Império de força sedimentado sobre os ideais da Revolução Francesa, mas contaminado pelo nacionalismo e imperialismo exacerbado.


É preciso, portanto, deixarmos bem patentes porque temos extraordinárias responsabilidades na hora presente. Atentos aos vícios, as blasfêmias, as mistificações dos governos atuais para que, em surgindo governos futuros para os povos, bem nutridos se tornem também as conquistas alcançadas do dia de amanhã. Não permitamos que as mãos ineptas dos continuadores incapazes deturpem a obra de qualquer doutrinário, de qualquer expansão de melhoria para a Humanidade dos dias de hoje. Nós, na convicção dos nossos atos, na certeza dos nossos pensamentos, não devemos duvidar nem tremer um só momento, mas agir, principalmente, pela paz, pela estabilidade de amanhã, porque sem ela nada se poderá conseguir. Fomentarmos a luta seria abreviar a atual queda do ocidente. É no terreno da paz que as sementes da ordem e do progresso fecundam.


A Humanidade de hoje, no seu período obscuro de necessidades, de misérias de dores, de declínio, com seus horizontes anuviados, requer de todos nós serena convicção de nossos deveres e precisa confiança em nós próprios.


Que a paz fique convosco.


Cabana de Lysis, noite de 30/11/1931

Orador:Antonio de Aquino.

Psicografia:Gustavo M. Pontes.

Taquigrafos: João Balthazar e Luiz Isquierdo.



Nota:

  As imagens aqui utilizadas, foram selecionada com o intuito de ilustrar os temas tratados,

  e podem ser livremente encontradas na Internet.

  O texto original pode ser encontrado no nº1 - janeiro de 1932 da Revista Novo Horizonte.


Legendas:

(1) O Fascismo surgiu e desenvolveu-se, em alguns países da entre as décadas de 1920 e 1940. Era um sistema político, econômico e social que ganhou força após a Primeira Guerra Mundial, principalmente nos países em crise econômica (Itália e Alemanha).

(2) A Primeira Guerra Mundial (1914 – 1918) envolveu praticamente o mundo inteiro por um simples motivo: as potências que iniciaram a guerra eram grandes Impérios. De um lado, os aliados ou Tríplice Entente, com o Império Britânico, Império Russo e França. De outro, o Império Austro-Húngaro, Império Alemão e Itália (que depois acabou mudando de lado) – e ainda, o apoio do Império Turco Otomano, aliado à Alemanha contra a Rússia. Com o fim da guerra, em 1918, muitas mudanças ocorreram, não só políticas, mas também geográficas: 4 impérios deixaram de existir, além do surgimento de vários países (Finlândia, Estônia, Letônia, Lituânia, Polônia, Bielorrússia e Ucrânia. Áustria e a Hungria se tornaram repúblicas separadas. Surgiram a Tchecoslováquia e a Iugoslávia (tomando o território que pertencia à Sérvia e Montenegro). A Albânia passou a fazer parte do mapa.





 

 

 

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